sábado, 2 de julho de 2011

Antologia Comparada Parte II - Realismo

           

Dom Casmurro de Machado de Assis foi publicado em 1899, foi considerado pelos críticos como a narrativa mais ambígua da literatura nacional. Machado de Assis restaura nessa obra, a seu modo, o triângulo amoroso, um dos mais fortes componentes da tradição romanesca.
A narrativa surge a partir da necessidade de seu personagem Bentinho em resolver um conflito antigo, no qual busca relatar fatos passados para restabelecer ou “tentar” identificar a verdade. O titular da fala é o próprio Bentinho, é por sua voz que é apresentado os demais personagens da trama, na qual faz parte do núcleo central do enredo a tríade Capitu – Bentinho - Escobar.
Nesta obra, o narrador vai descrevendo em pequenos capítulos toda sua trajetória, suas idas e vindas ao redor do “eu” que se questiona, na qual nada é o que parece ser, assim ele delega ao leitor a tarefa de preencher as lacunas e o convida a meditar sobre a trajetória humana.
O Primo Basílio de Eça de Queiroz é um romance realista que retrata a sociedade burguesa de Lisboa do século XIX. A obra é uma crítica aos padrões burgueses, às desigualdades sociais e ao falso moralismo, visto que a obra apresenta uma sociedade corrompida. Seus principais personagens são Luisa, Basílio, Jorge e Juliana.
As duas obras retratam o adultério de seus personagens femininos, em Dom Casmurro a traição é apenas uma dúvida, o narrador não tem essa certeza, é levado a crer na traição pela semelhança de seu filho com Escobar, seu melhor amigo. Já em O primo Basílio, a traição é clara, Luisa se rende aos galanteios de seu primo Basílio e passa a encontrá-lo sempre.
Pretende-se nesta etapa mostrar algumas características específicas de cada obra citada acima e elencar algumas semelhanças entre as personagens femininas das ficções: Luisa e Capitu.

*Sobre Capitu:

a) Como ela é apresentada?
O narrador apresenta ao longo do livro Capitu como o retrato de uma mulher emancipada que se mantém ativa e não se submete aos caprichos e devaneios do marido.

b) Quais características físicas são evidenciadas pelo narrador?

“Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor; não cheiravam a sabões finos nem águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos”. (ASSIS, 1979, p.25)

c) Quais características psicológicas o leitor vai construindo a medida de sua apresentação da personagem?
Capitu se mostra inteligente, com iniciativa, procura articular maneiras de livrar Bentinho do seminário. Trata-se de uma garota humilde, mas avançada e independente, muito diferente da mulher vista como modelo pela sociedade patriarcal do século XIX. Nesse sentido,  ela é representa no livro por duas categorias sociais marginalizadas no Brasil oitocentista: os pobres e as mulheres. É definida em um momento do livro por José Dias com “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. (ASSIS, 1979, p. 46)

d) Em que momento a voz da personagem é ouvida? Isso atende a algum propósito?
O narrador não dá voz à Capitu, tudo que é contado sobre ela é a partir do ponto de vista do próprio narrador.
Em toda a narrativa temos a linguagem dos olhos de Bentinho, na qual lemos Capitu, que se torna indecifrada, talvez este tenha sido o desejo subconsciente do narrador, deixando a dúvida no ar, visto que horas o narrador diz não ser muito bom de memória, horas submete Capitu ao julgamento do leitor.

*Sobre Luisa:

a) Como ela é apresentada?
Luisa é apresentada como frágil, de temperamento romântico e boa dona de casa, como o autor coloca:

“Mas a Luísa, a Luisinha, saiu muito boa dona de casa; tinha cuidados muito
simpáticos nos seus arranjos; era asseada, alegre como um passarinho, como
um passarinho amiga do ninho e das carícias do macho; e aquele serzinho
louro e meigo veio dar à sua casa um encanto sério,” (QUEIROS,1997, p. 17)

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b) Quais características físicas são evidenciadas pelo narrador?
As características de Luisa as evidenciam como loira, delicada e fútil, o autor a descreve neste trecho da obra:
“Ficara sentada à mesa, a ler o Diário de Notícias, no seu roupão de manhã de
fazenda preta, bordado a  soutache, com largos botões de madrepérola; o cabelo
louro um pouco desmanchado, com um tom seco do calor do travesseiro, enrolava-se, torcido no alto da cabeça pequenina, de perfil bonito; a sua pele tinha a brancura
tenra e láctea das louras; com o cotovelo encostado à mesa acariciava a orelha, e, no
movimento lento e suave dos seus dedos, dois anéis  de rubis miudinhos davam
cintilações escarlates.”(QUEIRÓS, 1997, p.7). 

c) Quais características psicológicas o leitor vai construindo a medida de sua apresentação da personagem?
Luísa é sonhadora, um pouco distante da realidade e do senso crítico, inconseqüente. A sua idéia de felicidade se restringe a futilidades.
Queiroz vai tecendo a personalidade de Luisa através de um esvaziamento psicológico de que resulta um caráter móbil, inconsistente, cheio de deixar-se ir. O autor a configura como influenciável, levando a crer que Luisa foi levada ao adultério, não que fosse uma opção.

d) Em que momento a voz da personagem é ouvida? Isso atende a algum propósito?
Eça de Queirós faz uso do discurso indireto livre, isto é, do discurso que reproduz com fidelidade os momentos psicológicos que as personagens estão vivendo. Assim em vários trechos do livro Queiros dá voz à Luisa, abrindo espaço para colocações das inquietações e frustrações de sua personagem.


*Diferenças e semelhanças entre as duas protagonistas:

a) Linguagem temática e caracterização das personagens
Pode-se constatar algumas semelhanças e diferenças entre as personagens Luisa e Capitu. Com relação às personalidades das personagens, fica claro que são muito diferentes. Capitu revela-se quase que como indomável, uma menina/mulher misteriosa e dissimulada, capaz de tudo para alcançar seus objetivos, visto que é ela que tem ideias e toma algumas iniciativas para que Bentinho não tenha que se formar padre e possam levar a sério o romance.
Luisa, por sua vez, já é uma mulher acostumada a satisfazer as vontades do marido, educada para ser uma boa dona de casa e boa esposa. De caráter influenciável, o próprio marido, Jorge, teme por viajar e deixar Luisa sozinha, uma vez que Luisa vem recebendo visitas de sua amiga Leopoldina, que é mal falada na cidade por todos, devido a sua fama de mulher fácil, que trai o marido. Assim Jorge pede ao amigo que “fique de olho” em Luisa, para que ela não caia na conversa de Leopoldina. Luisa revela-se uma mulher muito frágil, sonhadora, influenciada também pelos vários romances que lê, não sabe identificar o que é fantasia da realidade.
O ponto em comum das duas obras é sobre o caráter dúbio das personagens. As duas estão na trama envoltas pelo adultério. No caso de Capitu, é apenas um suposto adultério, na qual o narrador da história (o marido “traído”, Bentinho) vai revelando ao longo da obra, por uma série de recordações do passado, as características de Capitu, seus jeitos e modos, que o levam a crer nesta traição. Como no trecho da morte de Escobar, por exemplo, Bentinho acha muito estranho o modo como Capitu olha para o defunto no caixão e a medida que o filho deles cresce vai se tornando muito parecido com o então falecido Escobar, só aumentando mais as razões para que Bentinho acredite que foi traído. Tomado por essa dúvida e o ciúme quase incontrolável, ele pensa até em matar o filho envenenado. Manda então Capitu para morar na Europa, exilando assim a mulher e o filho. Capitu, num silêncio profundo não revela ao marido se houve ou não a traição, prefere o silêncio diante das “loucuras” e devaneios de Bentinho. Capitu morre exilada e seu filho também vem a falecer sem o perdão do pai. Esta dúvida fica então também aos leitores de Dom Casmurro, houve ou não a traição?
Enquanto que no caso de Luisa, a traição é revelada aos leitores pelo narrador da obra, atentando para a moral da personagem. Luisa, de tão frágil e sonhadora que é, deixa-se levar pelo romance com o primo Basílio, mas é descoberta pela empregada Juliana, que passa a chantageá-la. Na busca por uma solução procura Basílio, imaginando que ele o levaria a Paris numa fuga romântica, ao descobrir que as intenções de Basílio eram outras, se sente muito mal e arrepende-se da traição e teme muito que Jorge descubra o romance dela com o primo. Ao final de tanto medo de que seu adultério seja descoberto, ela tem grandes surtos de febre e fica muito adoentada. Jorge, mesmo após descobrir do caso da mulher, continua a cuidá-la e a perdoa, embora Luisa não resista e acaba vindo a falecer.

Autores: Luciana A. M. Gomes e Paulo J. de Oliveira

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