sábado, 2 de julho de 2011

Antologia Comparada Parte III

AS MULHERES DO REALISMO: CAPITU E LUÍSA


Comecemos falando de Dom Casmurro (Bento Santiago), o narrador, por ele que conhecemos Capitu, quem revela ao leitor a imagem e as ações que envolvem a protagonista, por isso só conhecemos Capitu através do narrador, tornando-se uma personagem sem voz na narrativa.
Ele faz uso de estratégias fazendo com que o leitor ora duvide, ora acredite na inocência de Capitu, acusada de adultério pelo marido. Marta de Senna (2001) fala dessa habilidade do narrador de tentar induzir o leitor.
Dom Casmurro é um narrador congenitamente embusteiro, já que nasce na narrativa e para a narrativa explicando-se através do engodo: adverte que seu cognome, "Casmurro", não deve ser entendido como está nos dicionários, isto é, "teimoso", "obstinado", "cabeçudo" — que é o que ele é; e, sim, como "homem calado e metido consigo" (capítulo I) — que é o que não é, pois é o único dono da voz nesse romance onde Capitu é implacavelmente silenciada. (Senna, 2001, p. 1)
Capitu nos é apresentada da seguinte maneira: na adolescência é esperta, inteligente, sabe contornar situações, coisa que Bentinho não era capaz de fazer, como no momento em que os enamorados estão no quintal de mãos dadas e de olhos fixos um no outro, ―as mãos, unindo os nervos, faziam das duas criaturas uma só, mas uma só criatura seráfica. (MACHADO DE ASSIS, 2004, p. 29)
Capitu via Bentinho, não só como amigo, mas também, seu futuro esposo. Diante da notícia que Bentinho iria para o seminário, a personagem é perspicaz em arquitetar planos para impedi-lo de se tornar Padre.

O narrador nos mostra a atitude de Capitu, quando esta começa a arquitetar o plano que impediria Bentinho de ir para o seminário e, o mesmo faz questão de ressaltar como Capitu o persuadi-o a falar com José Dias para que este possa advogar para Bentinho na tentativa de fazer com que D. Glória desista da promessa de mandar o filho para o seminário, sendo assim observamos a conversa entre Capitu e Bentinho:

Como vês, Capitu, aos quatorze anos, tinha já idéias atrevidas, (...) mas eram só atrevidas em si, na prática faziam-se hábeis, sinuosas, surdas, e alcançavam o fim proposto, não de salto, mas aos saltinhos. [...]
- Posso confessar?
- Pois, sim, mas seria aparecer francamente, e o melhor é outra coisa. José Dias...
- Que tem José Dias?
- Pode ser um bom empenho.
- Mas se foi ele mesmo que falou...
- Não importa, continuou Capitu; dirá agora outra coisa. Ele gosta muito de você. Não lhe fale acanhado. Tudo é que você não tenha medo, mostre que há de vir a ser dono da casa, mostre que quer e que pode...
- Não acho, não, Capitu.
- Então vá para o seminário.
- Isso não.
- Mas que se perde em experimentar? Experimentemos; faça o que lhe digo. (MACHADO DE ASSIS, 2004, p. 37-38)

Em certos capítulos percebe-se que o narrador revela que Capitu possui uma personalidade forte que concede a ela a capacidade de se impor diante das coisas que lhe eram negadas, permitindo que ela impusesse sua opinião sobre as coisas, é o que a torna uma mulher transgressora ao padrão social do século XIX.
Uma vez que seus comportamentos não são próprios de uma mulher que vive nessa sociedade do século XIX. No capítulo ― As curiosidades de Capitu, observamos com nitidez que Capitu transgride porque sabe que possui capacidade de ir além do que lhe é permitido.
As curiosidades de Capitu dão para um Capítulo. [...] gostava de saber tudo. No colégio onde, desde os sete anos, aprendera a ler, escrever e contar, francês, doutrina e obras de agulha, não aprendeu, por exemplo, a fazer renda- por isso mesmo, quis que prima Justina lhe ensinasse. Se não estudou latim com o Padre Cabral foi porque o padre, depois de lhe propor gracejando, acabou dizendo que latim não era língua de meninas. Capitu confessou-me um dia que esta razão acendeu nela o desejo de o saber. (MACHADO DE ASSIS, 2004, p. 54)
O fato de Capitu estar desejando sempre saber e aprender, mostra que ela sabe se impor em relação aos limites que lhe são dados. Podemos considerá-la então, como a ação da narrativa, pois esta, embora não tenha voz no texto, ela se sobressai a Bentinho. A personagem acaba assumindo na trama o papel de protagonista, ou seja, Bentinho tem a palavra, mas Capitu tem a ação.
É possível perceber que a personagem é tratada de outra forma, no sentido de que ela se reconhece como indivíduo que tem sua própria opinião e a manifesta seja qual for. Até quando Capitu é descrita observamos que se prioriza não apenas a sua beleza:
Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma a outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos a despeito de alguns ofícios rudes eram curadas com amor... (MACHADO DE ASSIS, 2004, p. 27)

Isso nos dá a possibilidade de dizermos que Machado de Assis concebeu Capitu com uma singularidade que a faz ser moderna para o seu tempo e espaço.

Desde sua adolescência, Capitu era uma personagem determinada, e não hesitava em assumir uma atitude que, para sua época, era muito avançada. Um dos exemplos está no capítulo 33 intitulado ―o penteado, momento em que Bentinho se coloca a trançar os cabelos de Capitu, depois que o mesmo termina o penteado ela toma a iniciativa e dá o primeiro beijo em Bentinho:

Capitu derreou a cabeça, a tal ponto que me foi preciso acudir com as mãos e ampará-la; o espaldar da cadeira era baixo. Inclinei-me depois sobre ela, rosto a rosto, mas trocados, os olhos de um na linha da boca do outro. Pedi lhe que levantasse a cabeça, podia ficar tonta, machucar o pescoço. Cheguei a dizer-lhe que estava feia; mas nem esta razão a moveu.
- Levanta, Capitu!
Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela abrochou os lábios, eu desci os meus, e... Grande foi à sensação do beijo; (MACHADO DE ASSIS, 2004, p. 59)


Não só a iniciativa do beijo pode ser considerada nesse episodio, mas também a forma como Capitu disfarça a situação quando sua mãe, D. Fortunata, se aproxima:

Ouvimos passos no corredor; era D. Fortunata. Capitu compôs-se depressa, tão depressa que, quando a mãe apontou à porta, ela abanava a cabeça e ria. Nenhum laivo amarelo, nenhuma contração de acanhamento, um riso espontâneo e claro, que ela explicou por estas palavras alegres:
-Mamãe, olhe como este senhor cabeleireiro me penteou; pediu-me para acabar o penteado e fez isto. Veja que tranças!
-Que tem? Acudiu a mãe, transbordando de benevolência. Está muito bem, ninguém dirá que é de pessoa que não sabe pentear.
- O que, mamãe? Isto? Redargüiu Capitu desfazendo as tranças. Ora, mamãe! (MACHADO DE ASSIS, 2004, p. 60)

  Desde o momento em que Capitu soube da notícia que Bentinho iria para o seminário até o momento em que ela se casa com o mesmo, percebemos que Capitu não mediu esforços em fazer com que Bentinho se casasse com ela, pois, não tendo um plano que impedisse que Bentinho fosse para o seminário, esta fez com que Bento ficasse preso a ela por uma promessa de casamento, que ela induziu o rapaz a fazer e, além disso, enquanto Bentinho estava no seminário, Capitu se aproximou de D. Glória (mãe de Bentinho) a fim de mostrar à futura sogra, que ela era uma boa moça e conseqüentemente seria uma boa esposa.
A protagonista Luísa é o centro da narrativa, pois é ela a personagem central do inicio ao fim da obra. Ela é apresentada como “a burguesinha da Baixa” por conseqüência da cidade onde a obra é contada (Lisboa, Cidade Baixa) é também uma senhora sentimental, mal-educada sem valores espirituais ou senso de Justiça. Seu comportamento, por vezes, era revelado como uma atitude transgressora, pois rompia com a ordem social estabelecida.
Luísa era noiva de Basílio, mas após este romper a relação, ela casou-se com Jorge, engenheiro de minas que ela conheceu. Sua vida tranquila de leitora de folhetins é alterada pela viagem do marido e o retorno do primo a Portugal. O motivo que a leva a se entregar a Basílio, de acordo com as reflexões de Eça, nem ela sabia. Uma mescla da falta do que fazer com a "curiosidade mórbida em ter um amante, mil vaidadezinhas inflamadas, um certo desejo físico...".
O perfil de Luísa pode ser analisado através das leituras que a mesma faz. Percebe-se que ela possuía gosto para ficção romântica. Dentro da narrativa, são as leituras eminentemente românticas que ela faz que moldam sua personalidade, revelada como frágil e sonhadora.
Essa identificação de Luísa com a ficção romântica, levando-a a incapacidade de separar a fantasia da realidade, é uma das causas do adultério na medida em que Basílio se aproveita dos sonhos da prima no processo de sedução. Não apenas os devaneios de Luísa com aventuras amorosas, mas também o desejo de evadir-se no espaço, de conhecer os lugares descritos nos romances – a Escócia e, sobretudo, Paris – auxiliam Basílio nos seus planos de conquista. [...] (BELLINE, 1997, p. 522)

Além dos trabalhos domésticos, que se resumiam em organizar a casa, cuidar da educação dos filhos e servir ao esposo, as mulheres passeavam por alguns espaços públicos, eram vistas em associações de caridade e grupos religiosos. Porém, a ociosidade de Luísa, deve-se ao fato, de a mesma não participar de nenhuma organização das tidas acima, sua ocupação se restringia ao lar e às leituras dos romances românticos.
O universo em que Capitu estava inserida era o mesmo de Luísa: um mundo definido conforme a ordem burguesa, delineada pelas mudanças acarretadas pela Revolução Francesa, a Revolução Industrial e o progresso. Capitu segue o protocolo ao se casar com Bentinho, salvando-se da exclusão social.Por ser Bentinho quem narra à história, não há conhecimento se as intenções de Capitu eram reais, se ela se casou com ele por amor ou por interesse. Podemos nem mesmo avaliar os sentimentos de Bentinho, a não ser o ciúme, que é o único afeto devotado à sua esposa até o final de sua vida.
O fator que mais aproxima Capitu de Luísa, não é o fato de ser adultera, mas sim, o universo de anulações governado por homens do qual elas fazem parte, e que era bem lembrado em ambas as obras. Pode se ver em Dom Casmurro, onde Capitu tem em seu próprio marido o narrador, este o qual reproduzindo a voz da ordem, acusando-a de infiel e guardando dela apenas traços de mulher manipuladora.
O mundo em Dom Casmurro, segundo John Gledson (2008) é mostrado como “um mundo muito conservador e atrasado”, como era, de fato, a sociedade daquela época, sendo o mesmo mundo mostrado em O Primo Basílio, através das limitações vividas por Luísa, que condena a mulher a não poder fazer escolhas e não ter o direito de explorar sua própria sexualidade sem ser reprovada.
Por isso, Luísa não pode ser considerada um mero objeto, pois tão obliqua quanto Capitu é para Bentinho, desvia-se para um lado que jamais lhe foi permitido. Sendo assim, podem-se unir Capitu e Luísa por suas limitações, e pela maneira como tem de se sujeitar ao casamento como único exercício legitimo de sua sexualidade e como único meio de serem incluídas na sociedade.
A principal diferença entre as duas mulheres é que Capitu (Dom Casmurro), inserida nos padrões da sociedade patriarcal, onde a mulher é limitada a passividade total, deve casar-se, porém, ela quem escolhe o marido. Já Luísa (Primo Basílio), mostra-se frágil, um objeto nas mãos do homem a quem deve causar seu destino.Em relação ao adultério, Luísa se supõe apaixonada pelo primo, mas na verdade se deixa levar pelas leituras e pela opinião leviana da amiga Leopoldina, enquanto em Dom Casmurro é apenas uma mera especulação.
A diferença entre Machado e Eça está no narrador. Mas ambos têm um mesmo foco que dá a matéria-prima de suas enunciações: a crítica à classe dominante. Eça vai direto ao ponto, através de uma narrativa construída em terceira pessoa. Ao passo que Machado trabalha o mesmo foco por trás de sutilezas exploradas pela narrativa construída em primeira pessoa.
Autores: Andressa Dias Geraldo, Nayara Alves Negrão e Thaís de Lima Kuceki.

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